terça-feira, 8 de julho de 2008

Ainda há juízes no Brasil

Para ilustrar, segue uma interessante crônica publicada na Revista Época, edição 155 - 07/05/2001.

 

Ainda há juízes no Brasil

O lugar de um cidadão, seja ele moleiro, seja senador, é definido em lei – não diante das câmeras

Em 1745, o todo-poderoso Frederico II, rei da Prússia, manda construir, em Potsdam, nos arredores de Berlim, o famoso castelo de Sans-Souci, que ficaria pronto dois anos depois. Déspota esclarecido, amigo de escritores e artistas, exerce atração sobre sábios de várias nacionalidades, especialmente franceses. Voltaire é um dos que freqüentam sua residência.

Um de seus áulicos, porém, mais arbitrário que o governante a quem serve, ainda que sem as mesmas luzes, quer espantar para longe da vizinhança um modesto moleiro para que o pequeno empresário e seu moinho não ofendam a bela paisagem que cerca a construção. O intendente tem a seu favor a lei informal, jamais promulgada, mas vigente em tais circunstâncias, que o político brasileiro Pedro Aleixo tanto temeu quando ousou imaginar o que faria com todos os poderes do Ato Institucional n.5, não o ditador ou seus ministros, mas o guarda da esquina.

Parodiando Camões, nessas horas uma nuvem que os ares escurece/sobre nossas cabeças aparece. E tão temerosa vinha e carregada/que pôs nos corações um grande medo. Dando a entender que fala em nome do rei, a autoridade vai fazendo propostas em cima de propostas para que o moleiro se mude dali, ensejando assim a destruição do moinho. Nenhuma delas surte o efeito desejado.

O intendente passa, então, às ameaças, que entretanto não assustam o proprietário cioso de seus direitos. A querela chega aos ouvidos de Frederico II e o monarca resolve conversar com aquele homem que lhe parece tão corajoso. Pergunta-lhe qual o motivo de ele não ter medo de ninguém, nem do rei. A resposta do moleiro foi resumida em frase que se tornou célebre, depois freqüentemente invocada em situações em que o Judiciário é chamado a limitar o poder dos governantes: “Ainda há juízes em Berlim”. Ele lutaria contra o rei na Justiça.

 

Deonísio da Silva é escritor e professor universitário

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